Este ano, a Camil entrou em massas, café e fincou bandeira no Equador. Gostou do tempero e quer mais: seus planos são avançar em novos segmentos e reforçar a atuação internacional no curto e médio prazos. A estratégia é deixar de lado a imagem de uma produtora de arroz e feijão para uma multinacional de alimentos.
“Mais do que posicionamento, já é uma realidade”, afirma o diretor financeiro e de relações com investidores Flávio Vargas, em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro. “Como multinacional brasileira, visamos alcançar posição de destaque em todos segmentos em que atuamos e ser uma plataforma de alimentos na América Latina.”
A empresa é hoje líder nacional em arroz e açúcar, vice-líder no mercado de feijão e tem participação expressiva no segmento de pescados enlatados. “Independentemente dos cenários desafiadores dos países nos quais atuamos, nos preparamos com portfólio defensivo para potencializar o crescimento constante”, diz.
A América do Sul é o principal alvo da expansão. Hoje, a Camil tem operações em cinco países: Brasil, Uruguai, Chile, Peru e Equador, com 29 fábricas. “Vemos, agora, oportunidades de entrar em mais países”, diz. Entre os mercados no radar, Colômbia, Argentina e Venezuela.
Hoje, a frente internacional representa cerca de 30% do faturamento da Camil. De acordo com Vargas, a empresa vende cerca de 50% do arroz produzido no Uruguai, no Chile e no Peru. No Equador, onde entrou recentemente com a compra da empresa de arroz Dajahu, a empresa detém cerca de 10% do mercado do cereal no geral e 20% em produto especial “envelhecido”.
Para o analista de alimentos e bebidas do Itaú BBA, Gustavo Troyano, a compra da Camil no Equador é a continuidade de um processo que começou lá atrás. “Não só o contexto atual de demanda por alimentos, mas também o potencial que a Camil tem para otimizar as operações adquiridas, são os principais fatores que justificam esses investimentos”, disse Troyano, ao Broadcast Agro.
O planejamento e a intenção de fincar pé em novos países, contudo, tem desafios. “São mercados relevantes do ponto de vista de consumo e até semelhantes aos que já operamos, mas complicados do ponto de vista político-econômico”, diz ele. “Temos de aguardar o ‘timing’ certo.”
No exterior, a empresa quer crescer por meio de fusões e aquisições (M&As). “O pontapé inicial se dá pelo arroz, por ser o DNA da empresa”, afirma Vargas. “Entramos com conforto em arroz para depois buscar a diversificação.”
A expansão para novas cadeias e a diversificação de portfólios podem ocorrer em breve nos países nos quais a Camil já atua. Segundo ele, a empresa estaria pronta para ampliar os segmentos no Equador e no Chile. “O modelo de negócios que temos no Brasil, de entregar produtos de mercearia seca de valor ao consumidor, pode ser replicado em outros países, por isso olhamos oportunidades de diversificação também fora daqui”, diz.
O movimento vem após uma série de aquisições recentes. No último ano, além da equatoriana Dajahu, a Camil comprou o Pastifício Santa Amália, de massas, e o café Seleto, da JDE. “Nossa estratégia inclui um misto de crescimento orgânico com capacidade operacional de produção e capacidade de comprar outros ativos e integrá-los na plataforma”, diz.
Segundo Troyano, assim como entrou há anos na América do Sul, a estratégia de crescimento da Camil por meio de aquisições é um dos pilares de “geração de valor” da companhia. “A empresa fez um bom trabalho na integração dos M&As realizados no passado, e isso deve continuar”, diz. “O reforço na mensagem de que ainda há apetite por novas aquisições explicita a consistência deste projeto, e está bastante alinhado com o discurso desde a época do IPO, em 2017.”
Sobre a expansão para novas categorias e geografias, o analista do BBA diz haver potencial de geração de valor “muito grande” para ser destravado. “Com empresas de produtos de alto giro e mercearia seca, a Camil vai agregando produtos ao seu portfólio e ganhando escala. Isso deveria resultar em um ganho de rentabilidade depois que as aquisições forem completamente integradas à plataforma da companhia”, diz Troyano.
A empresa também projeta crescimento nas exportações, embora ainda dependa de melhoras no escoamento logístico. Atualmente, seus produtos são vendidos para mais de 60 países – saindo especialmente do Uruguai e do Brasil. “Nossa plataforma de exportação é forte no Uruguai, onde exportamos cerca de metade do arroz produzido no País. No Brasil, as venda externas são oportunidade”, afirma.
Na venda externa, o foco é arroz, com comercialização pontual de açúcar, sem ambição de exportar massas e café no momento.
A possibilidade de novas aquisições no Brasil também não está descartada, para avanço de market share em áreas de atuação, entrada em novas regiões e de produtos complementares. No momento, porém, a empresa prioriza integrar negócios recentemente adquiridos. “No curtíssimo prazo, o foco está na integração da Santa Amália e no lançamento, com êxito, de café, mas não significa que, se surgir alguma oportunidade, não consigamos incorporar”, diz.
Neste sentido, haveria interesse da empresa em ampliar a atuação em derivados de trigo, em temperos e molhos e outros produtos de “mercearia seca”, como molhos e temperos, e que possam ser transportados no mesmo caminhão. “A cadeia da farinha é muito parecida com a de feijão e arroz. Ainda não estamos também em biscoitos. Em massas, complementações regionais e de produtos nos interessam. Em café, temos interesse em um leque mais completo de marcas. Continuamos olhando oportunidades nesses segmentos”, diz.
Esse fôlego para oportunidades está lastreado na capacidade financeira da empresa. A Camil encerrou o segundo trimestre fiscal, em agosto, com caixa de R$ 1,366 bilhão, incluindo aplicações financeiras e alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) de 1,6 vez. O indicador ainda não inclui a despesa com as compras recentes feitas pela empresa da Dajahu, Santa Amália e Seleto. “O atual nível de alavancagem permite financiamento para aquisição e nossa capacidade operacional também permite. Hoje, teríamos balanço para compra de R$ 1 bilhão, caso fosse a intenção”, afirma Vargas.
Em relação à integração dos negócios recém-adquiridos, Vargas diz que a presença em Minas Gerais, com a Santa Amália, permitirá à empresa ampliar a venda além de massas para a região. “Assumimos a companhia no fim de outubro e estamos começando a conhecer o negócio de massas”, diz.
Com lucro líquido de R$ 105,6 milhões (queda anual de 23,2%) e receita de R$ 2,2 bilhões (alta anual de 24,4%) no segundo trimestre, a Camil teve um 2021 bom, após resultados excepcionais em 2020, em virtude da pandemia. “Para o ano que vem, estamos com otimismo cauteloso”, diz Vargas. “Esperamos que não haja mudança grande do ponto de vista dos preços dos produtos e da base de receita.”
O desafio para o desempenho continua sendo o contexto macroeconômico, com redução do poder de compra do consumidor, desemprego elevado e elevação de custos gerais.
Neste cenário, apesar de os produtos que a Camil vende perderem poucas vendas, o maior risco é de downgrade, ou seja, a migração do consumidor para marcas mais baratas. Vargas diz que o aumento dos custos gerais é mais difícil de ser repassado ao valor do produto final do que o aumento das commodities. “Temos conseguido fazer repasse das commodities”, afirma. “A inflação da matéria-prima é repassada para o preço, mas em custo – mão de obra, frete, energia.”
Fonte: Broadcast Agro/Estadão
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